quarta-feira, dezembro 23, 2009

A mulher mais poderosa de Portugal é angolana /Pedro Santos Guerreiro




Portugal tem muitas mulheres importantes, algumas são ricas, poucas são poderosas. Uma é as três coisas. Tem 36 anos e não é portuguesa. É a angolana Isabel dos Santos.

Portugal tem muitas mulheres importantes, algumas são ricas, poucas são poderosas. Uma é as três coisas. Tem 36 anos e não é portuguesa. É a angolana Isabel dos Santos.

Dizem que detesta ser tratada como "a filha de José Eduardo dos Santos". Pela maneira como está a afirmar-se em Portugal, um dia trataremos o Presidente de Angola como "o pai de Isabel dos Santos". É a nova accionista da Zon. E de muitas outras empresas. Uma atrás da outra, todas lhe estendem tapetes. Tapetes verdes, da cor do dinheiro.

A mulher mais rica de Portugal, segundo a "Exame", é Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo Silva, com uma fortuna de 731 milhões de euros. Não tem metade do poder de Isabel dos Santos. E tem apenas uma fracção do seu dinheiro: só na Galp, BPI, Zon e BESA, a empresária angolana tem quase dois mil milhões de euros. Fora o resto.

A lista dos dez mais ricos de Portugal está aliás cheia de pessoas que fazem negócios com a família dos Santos. Américo Amorim é sócio de Isabel na Galp e no Banco BIC. Belmiro de Azevedo, segundo foi noticiado, quer ser parceiro de distribuição em Angola. O Grupo Espírito Santo tem interesses imobiliários, nos diamantes, na banca. Salvador Caetano tem concessões. O Coronel Luís Silva acaba de fechar negócio para vender acções da Zon a Isabel dos Santos. Zon onde João Pereira Coutinho e Joe Berardo são accionistas.

Da lista dos mais ricos, só a família Mello e Soares dos Santos estão "fora" da geografia. O "dinheiro dos angolanos" pesa sobre muitas consciências. Soares dos Santos foi o único a assumir publicamente o desdém pelos níveis de corrupção de Angola.

Isabel dos Santos é accionista da Zon e sócia da PT. É accionista do BPI e sócia do BES. É accionista da Galp e a Sonangol é parceira da EDP. A empresária garante que não tem relações com as actividades do seu pai e da estatal Sonangol. Identificando todos os interesses em causa, as relações de sociedades portuguesas alargam-se ainda à Caixa, Totta, BPN e Mota-Engil. Dá um índice bolsista.

O que faz com que tantas empresas portuguesas implorem para fazer negócios com Isabel dos Santos? E que Isabel "jogue" em equipas rivais, concorrentes confessos em Portugal, sem um pestanejo? Só uma coisa consegue tanto unanimismo: o dinheiro. A liquidez angolana, que desapareceu de Portugal. A contrapartida de acesso ao crescente mercado angolano. Os portugueses não abrem os braços a Isabel dos Santos, abrem-lhe as carteiras - estão vazias.

O casamento entre angolanos e portugueses tem as prioridades do das famílias feudais: o interesse está primeiro, o amor virá depois, se vier. E o interesse é recíproco: os angolanos são entronizados em Portugal e na Europa; os portugueses são-no em Angola e em África. Não há equívocos, há dinheiro.

Os últimos dois grandes negócios de Isabel dos Santos em Portugal, no BPI em 2008 e na Zon em 2009, tiveram uma curiosidade cabalística: ambos foram fechados na terceira semana de Dezembro, ambos de 10%, ambos por 164 milhões. Na Zon, pagou um prémio de 26% sobre a cotação. Comprou caro? Comprou mais barato que os accionistas que estão na empresa. Comprou bem.

Isabel e José Eduardo construíram um poder tão ramificado em empresas portuguesas que só o Estado e Grupo Espírito Santo os ultrapassarão. Tanta concentração de poder é mais ameaçadora do que uma nacionalidade. Em Portugal, Isabel e José Eduardo não são Santos da casa mas fazem milagres.

psg@negocios.pt

domingo, dezembro 20, 2009

Village Vanguard







Tive o privilégio de lá ter ido em 24 de Maio de 2007, e ouvi um trio notável com uma americana que cantava Jobim, acompanhada de um baixo brasileiro e de um baterista cubano...
Fiquei hoje a saber que em 2010 faz 75 anos.
New York não é uma cidade´, é o mundo!

terça-feira, outubro 13, 2009

URSS quase apoiou FNLA e admitiu apostar em Savimbi


URSS quase apoiou FNLA e admitiu apostar em Savimbi
Por João Manuel Rocha
Livro revela indecisões na estratégia e "desconfiança mútua" entre Moscovo e Agostinho Neto
Muito depois do fim do comunismo

A ideia de que a União Soviética (URSS) sempre esteve de alma e coração com o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), que assumiu o poder após a independência, é falsa. No início dos anos 1960, Moscovo esteve prestes a reconhecer a rival FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), o que só não aconteceu devido à intervenção do líder comunista português, Álvaro Cunhal.
Já na época de Mikhail Gorbatchov, responsáveis de Moscovo viam com bons olhos Jonas Savimbi e a sua UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) e o último líder soviético encorajou o diálogo que o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, estava disposto a iniciar com os adversários políticos. As novidades constam do livroAngola - O princípio do fim da União Soviética, de José Milhazes, editado pela Nova Vega e ontem lançado em Lisboa. Baseado em fontes russas, documentos, artigos e entrevistas, revela episódios inéditos e mostra que não havia unanimidade em Moscovo sobre a intervenção na ex-colónia portuguesa.
O quase reconhecimento da FNLA como "legítimo representante" angolano chegou a ser ordenado pelo então líder soviético Nikita Krutchov, em 1963. O episódio revela "a confusão que reinava em Moscovo em relação à sua política africana". Documentação citada indica que, paralelamente aos contactos com o MPLA, a espionagem soviética procurou estabelecer laços com a UPA (União dos Povos de Angola), antecessora da FNLA, e a UNITA. José Milhazes, ex-correspondente do PÚBLICO em Moscovo, cita as memórias de Piotr Evsiukov, um alto funcionário que, durante 15 anos, dirigiu os contactos com os movimentos de libertação, segundo o qual, sem a intervenção de Cunhal, a URSS teria reconhecido FNLA de Holden Roberto.
O apoio militar que se revelou fundamental para o MPLA em 1975 também não se concretizou sem dúvidas de Moscovo. "Não havia unanimidade face à intervenção das tropas cubanas em Angola e ao envolvimento da URSS", escreveu Milhazes. A partir de testemunhos de responsáveis soviéticos, concluiu que "Cuba decidiu intervir militarmente em Angola com ou sem autorização de Moscovo" e que no terreno havia "sérias divergências" entre o comando das tropas cubanas e os conselheiros soviéticos.
A boa impressão que Savimbi causou, em 1988, ao então ministro de Negócios Estrangeiros de Moscovo, num encontro na ONU, fez com que a URSS tenha estado "próxima de apostar em Jonas Savimbi", revela Milhazes. "Depois do encontro de [Eduard] Chevarnadze com Savimbi, em Nova Iorque, em Moscovo quase surgiram hesitações: em que apostar em Angola?", contou ao autor o então embaixador em Luanda, Vladimir Kazimirov.
No mesmo ano, José Eduardo dos Santos encontrou-se com Gorbatchov e informou-o de que ia conversar sobre a UNITA com o rei Hassan II, de Marrocos, ao qual Savimbi teria admitido afastar-se, se isso contribuísse "para a solução positiva do problema". No diálogo, relatado no livro, o actual Presidente admitiu a integração de elementos da força inimiga no processo político. "Não como militantes da UNITA, mas como particulares. Alguns farão parte do Governo", disse.
Atritos graves
Outra das revelações do livro é o fuzilamento, em 1973, por ordem de Agostinho Neto, de cinco adversários no MPLA, acusados de uma conjura em que também estaria envolvido Daniel Chipenda, "número dois" da organização. O facto desagradou aos soviéticos, tal como o acordo, assinado em 1972, para uma frente MPLA/FNLA onde Agostinho Neto teria aceite ser "número dois". Os documentos citados revelam uma "desconfiança mútua" entre os dirigentes de Moscovo e o primeiro Presidente angolano e "indecisões na direcção política" sobre quem apoiar que se prolongaram até muito perto da independência.
Os "atritos graves" com Neto levaram já diversos estudiosos a considerar que os soviéticos incentivaram o então ministro do Interior, Nito Alves, a liderar a contestação ao rumo do MPLA, numa acção que culminou com milhares de mortos. Milhazes escreve que Neto não só acreditou nessa tese como "foi de propósito a Moscovo pedir explicações" a Brejnev, então secretário-geral soviético, e exigiu o afastamento de dirigentes da representação militar em Luanda. O autor confirma que "os soviéticos depositavam confiança" em Nito Alves, mas não conseguiu ser conclusivo sobre o seu papel nesse episódio devido à dificuldade de acesso aos arquivos soviéticos e ao silêncio e contradições dos entrevistados.
Já sobre os rumores de que Neto foi assassinado durante uma operação, em 1979, Milhazes diz que são "um disparate". "As autoridades soviéticas não queriam que Agostinho Neto fosse operado em Moscovo, pois sabiam do seu real estado de saúde, mas, por outro lado, não podiam recusar, para não afectar a credibilidade do país", escreveu. O autor é também de opinião que, sem esquecer o Afeganistão, a intervenção em Angola ajudou à queda da URSS. "A estrutura soviética fica, do ponto de vista económico e até militar, fortemente abalada."

http://jornal.publico.clix.pt/noticia/10-10-2009/urss-quase-apoiou-fnla-e-admitiu-apostar-em-savimbi-17988868.htm

quarta-feira, outubro 07, 2009

Américo Tomaz Alive!

Américo de Deus Rodrigues Tomás (ou Thomaz) (Lisboa, 19 de Novembro de 1894 - Cascais, 18 de Setembro de 1987), político e militar português, foi o décimo quarto Presidente da República Portuguesa (último do Estado Novo).


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«É a primeira vez que estou cá desde a última vez que cá estive.»
«Hoje visitei todos os pavilhões, se não contar com os que não visitei.»
«Comemora-se em todo o país uma promulgação do despacho número Cem da Marinha Mercante Portuguesa, a que foi dado esse número não por acaso mas porque ele vem na sequência de outros noventa e nove anteriores promulgados....»
- in revista Opção, ano II, n.º30
«...É uma terra [Manteigas]bem interessante, porque estando numa cova está a mais de 700 metros de altitude...»
- in O Século, 1/6/1964
«A minha boa vontade não tem felizmente limites. Só uma coisa não poderei fazer: o impossível. E tenho verdadeiramente pena de ele não estar ao meu alcance.»
- in Diário de Notícias, 23/6/1964
«O Sr.Prof.Oliveira Salazar, ao longo de mais de trinta anos, é uma vida inteiramente sacrificada em proveito do país, e desconhecendo completamente todos os prazeres da vida, é um homem excepcional que não aparece, infelizmente, ao menos, uma vez em cada século, mas aparece raramente ao longo de todos os séculos.»
- in Seara Nova, Maio 1965
«Eu prolongo no tempo esse anseio de V.Ex.ª e permito-me dizer que o meu anseio é maior ainda. Ele consiste em que, mesmo para além da morte, nós possamos viver eternamente na terra portuguesa, porque se nós, para além da morte vivermos sempre sobre a terra portuguesa, isso significa que portugal será eterno, como eterno é o sono da morte.»
- in Diário da Manhã, 14/9/1970
«Neste almoço ouvi vários discursos, que o Governador Civil intitulou de simples brindes. Peço desculpa, mas foram autênticos discursos.»
- in Diário de Notícias, 14/9/1970
«Pedi desculpa ao Sr.Eng.º Machado Vaz por fazer essa rectificação. Mas não havia razão para o fazer porque, na realidade, o Sr. Eng.º Machado Vaz referiu-se à altura do início do funcionamento dessa barragem e eu referi-me, afinal, à data da inauguração oficial. Ambas as datas estavam certas. E eu peço, agora, desculpa de ter pedido desculpa da outra vez ao Sr.Eng.º machado Vaz.»
- in Seara Nova, Agosto 1972
- Por vezes, um censor mais inteligente riscava uma frase tola demais, o que acabava por acentuar a ironia: o mais alto magistrado da nação censurado....
- retirado do livro "Frases que fizeram a História de Portugal" por Ferreira Fernandes e João Ferreira

sábado, setembro 19, 2009

Jornal de Angola, há 30 anos durante as exéquias de Agostinho Neto




Revista Jugoslava sobre a guerra em Angola

Boletim da Frelimo em inicios de 1974

Boletim da UNITA em 1973


Para não dizerem que sou sectário!

Dr. Américo Boavida (1923-1968)


Um folheto distribuído na Europa em memória de Américo Boavida, morto pela aviação colonial na mata em 1968, enquanto em missão.
Américo Boavida era director dos serviços de assistencia médica do MPLA. Licenciado em Coimbra, antigo jogador da Académica de Coimbra, depois de ter passado pelo Liceu Salvador Correia em Luanda.

sexta-feira, setembro 18, 2009

Tomas, histórias faz!


Para quem andava distraído, antes do 25 de Abril, lembro as "sábias palavras" do então mais alto magistrado da Nação...Américo Tomás, vulgo, cabeça de Tarro...Era só para lembrar que nessa altura ele era o Chefe de Estado do Minho a Timor....

"Memórias de Tomás" (I)
«É a primeira vez que estou cá desde a última vez que cá estive.»

«Hoje visitei todos os pavilhões, se não contar com os que não visitei.»

«A minha boa vontade não tem felizmente limites. Só uma coisa não poderei fazer: o impossível. E tenho verdadeiramente pena de ele não estar ao meu alcance.»

"Eu por mim próprio, não me decidi a escrever as «Minhas Memórias». Decidiram-me. É que, estando quase toda a gente, ex-chefes de gabinete, ex-subsecretários de Estado, ex-secretários de Estado, ex-ministros, ex-chefes de Governo, escrevendo as suas memórias, a minha família começou a insistir comigo para que escrevesse as minhas «Memórias», na medida em que, disseram-me, mal me ficaria não escrever, também eu próprio, as minhas «Memórias».
Habituado a falar e não a escrever, contando, segundo as minhas contas, nove mil trezentos e sessenta e quatro alocuções por sobre o território nacional, isto é, continente, ilhas adjacentes e províncias ultramarinas, não minto!, nove mil trezentos e sessenta e cinco alocuções por sobre o território nacional e internacional, ligadas ao meu cargo de Presidente da República, - eu nunca me afeitei a usar a caneta, coisa que disse repetidamente a minha família.
Não tive sucesso, como é obvio, dado que me compraram uma caneta e ma deixaram fechada na mão.
Foi então que, pegando na caneta, carreguei no botão do gravador e comecei: "Senhor bispo da diocese, senhor ministro das Obras Públicas, senhor governador civil, senhor presidente da câmara municipal, senhor presidente da junta de freguesia, minhas senhoras e meus senhores" [in, revista Opção, Ano II, nº 30]

"É esta, portanto, a ultima cerimónia que se passa na cidade da Guarda e eu não quero deixar passar esta oportunidade sem agradecer ao bom povo desta terra o seu entusiasmo, o carinho com que recebeu o Chefe do Estado. A chuva não teve qualquer influência no entusiasmo das populações. Elas vivem numa terra de granito, e a chuva não as apoquenta (&) A Guarda é um distrito de bons portugueses, de portugueses de uma só face, portugueses, portanto, sempre prontos a defender a terra que os viu nascer. E a Guarda tem uma particularidade: é a cidade mais alta da Metrópole" [ididem, discurso na Guarda, in Século]

"& É uma terra [Gouveia] bem interessante, porque estando numa cova, está a mais de 700 metros de altitude. Pois o que desejo, sr. Presidente, para poder pagar, de qualquer forma a dívida que contraí, é que esta gente tenha um futuro feliz, abençoado por Deus. Que assim seja, para contentamento vosso e para contentamento meu &" [ibidem, em Gouveia, segundo O Século, 1/6/1964]

Almirante Américo Tomás, no dia 1 de Janeiro de 1974: "no primeiro dia do ano de 1974, tudo se passou como em iguais dias dos anos imediatamente anteriores..."

sábado, setembro 12, 2009

José Eduardo dos Santos- 30 anos na Presidencia da Republica

Jorge de Sena não pediu para ir para Portugal!


Hoje o corpo de Jorge de Sena regressa a Portugal sem o seu consentimento, deixando assim o chão da Califórnia que escolheu para viver os últimos anos. Com a ajuda do blog “de Rerum Natura” aqui se recorda um poema que escreveu em vida.

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:

eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.

Araraquara, 6/12/1961,
do Capítulo "Tempo de Peregrinatio ad loca infecta" (1959-1969) do livro "40 Anos de Servidão", 2ª edição revista, Círculo de Poesia da Moraes Editores, 1982

Jorge de Sena

sábado, agosto 01, 2009

O velho foi à viola / Diana Andringa



O velho foi à viola
Diana Andringa



Segunda-feira, 27 de Julho de 1970. Um inusitado toque de clarim interrompe a rotina matinal na prisão de Caxias.
Um toque diferente, desconhecido, num tom lamentoso que não lhe conhecíamos.
Numa cadeia, ganham-se mil ouvidos: habituamo-nos aos sons ciciados da chegada de um novo preso, ao esforço de distinguir qual a cela onde o colocam (da parte da frente, com o rio ao longe? Da de trás, tendo como única visão o muro e as pernas do guarda republicano andando nele?), à frase «Prepare-se para ir à António Maria Cardoso», que pode significar, para aquele a quem é dita, uma sessão de tortura, seja a pancada, o sono ou a estátua, o seu regresso («Quantas horas passou em interrogatórios? Quantas noites?»), à tosse que anuncia esse regresso, ao assobio longínquo de um camarada, identificando-se com uma canção comum (no nosso caso, uma coladera), até às crises de asma de alguém que necessita socorro, numa cela próxima. Então, um toque de clarim, a uma hora inabitual, desperta de imediato a atenção e a ansiedade.

Lá em baixo, na guarita, o jovem guarda republicano olha, também ele, o lado de onde o som surgiu.«Que toque é este?», perguntamos-lhe, gritando.Olha-nos e encolhe os ombros. Não como quem não quer responder à pergunta gritada por aqueles que tem o dever de guardar, mas como quem não sabe. E ouvimo-lo repetir a pergunta para a guarita seguinte: «“Que toque é este?»Do outro lado chega uma resposta, para nós inaudível. Mas o jovem ouve-a e repete-a para nós: «“É o toque dos mortos!»Para que, numa cadeia, toque o clarim por alguém que morreu, é que esse alguém é pessoa de importância. E a ansiedade e a curiosidade crescem. Gritamos, de novo, para o guarda: «E quem é que morreu?»
Tal como da primeira vez, ele repete, para a guarita seguinte, a nossa pergunta. E tal como da primeira vez, a resposta escapa-nos. Mas – tal como da primeira vez – o jovem que nos guarda logo no-la repete: «Foi o velho! O velho foi à viola!»

Não houve necessidade de perguntar mais nada. O «velho» com direito a clarim só podia ser um: Salazar. E logo nos abraçámos a rir, enquanto ouvíamos, vindos de outras celas, gritos de regozijo. Que a morte, tantas vezes desejada, do ditador, nos fosse anunciada pelo jovem que devia guardar-nos aumentava a ironia da notícia.
A cadeia explodiu em gritos, risos, murros nas paredes, comunicando de cela em cela, na velha caligrafia prisional – «Um toque é “a”, dois são “b”, três “c” e por aí adiante…» – a morte do antigo Presidente do Conselho.
Os mais lúcidos lembraram que já havia outro, Marcelo Caetano. Mas, nesse dia, a alegria prevaleceu. Mesmo quando a visita foi cancelada, mesmo quando nos cortaram os minutos de música diária, porque «o país está de luto». «De luto?», respondemos nós. «O vosso talvez esteja, o nosso país está em festa!»

E, desafinadas ou não, ergueram-se as vozes dos presos e ouviram-se pela Cadeia, nesses minutos sem música, canções de resistência.






(Publicado no nº 26 da colecção Os anos de Salazar/ O que se contava e o que se ocultava durante o Estado Novo , coordenada por António Simões do Paço.)

quinta-feira, julho 30, 2009

domingo, julho 12, 2009

Não deixar morrer o Dondo(III)/ Aida Freudenthal/ Novo Jornal / Luanda 10-07-09



III. O património urbanístico
A primeira intervenção urbanística no Dondo operada na 2ª metade do século XVIII, ocorreu num tempo em que a intensidade do tráfico criava problemas sanitários graves na vida de homens livres e escravos. Foi promovido o saneamento urbano através do aterro de pântanos, do abastecimento de água em fontanários e da construção de alguns edifícios públicos. O núcleo embrionário “em quadra” a partir do qual foi implantado o traçado ortogonal, era o modelo característico da era pombalina (Batalha 1951 e 2008). Na rede urbana de planície foram sendo erguidas grandes casas de negócio com quintalões para escravos e mercadorias, tendo grandes armazens e casas comerciais deixado marca na vila. As lojas de um piso e alguns sobrados na rua Capacala traduzem a solidez de algumas famílias antigas do Dondo, cujas campas perpetuam a sua memória no cemitério da vila. A principal originalidade da arquitectura civil do Dondo consiste em construções térreas de grossas paredes de pedra ou de adobe cobertas de telha, cujas fachadas são rasgadas por uma sucessão de portas e janelas em arco onde os umbrais contrastam com as cores das paredes. Acrescente-se que em 1877, além de muitas cubatas não contabilizadas, a vila contava com 14 casas de negócio, 55 casas de pedra e barro e 5 sobrados de dois pisos na Rua Principal (antiga Rua Capacala). Subsidiária do conceito imperial de urbanização, o vasto largo da Quitanda junto ao rio, era o centro de toda a azáfama comercial, local de embarque e desembarque das mercadorias destinadas à exportação através de Luanda [Batalha 1960]. A expansão urbana ocorrida nas décadas de 70 e 80, exigiu ainda a construção de novas estruturas como os Paços do Concelho, o hospital, o mercado e o açougue, foi arborizado o Passeio Público e instalado o coreto para a banda de música. Ampliando os espaços verdes, os largos arruamentos foram sombreados com acácias rubras. A vila passou por uma transformação radical no aspecto sanitário e urbanístico, e foi a primeira em Angola a ver instalada a iluminação pública no último quartel do século XIX. Já no século XX, existia uma escola oficial, uma católica e outra evangélica e em 1957 foi construído o novo hospital que se empenhou no combate à doença do sono que era um terrível flagelo na região. Em termos urbanísticos, a singularidade do Dondo provém da conjunção das velhas casas de cunho tradicional português com portentosas árvores africanas; nas ruas largas, as espessas paredes das construções e as frondosas copas do arvoredo irmanaram-se numa aliança defensiva contra os raios escaldantes do sol. Com efeito “esta visão urbana que será já única em Angola pela sua beleza natural e grandiosidade de proporções, dir-se-ia uma amostra da exuberante floresta tropical dentro da povoação.”(Batalha 2008)
Em pleno século XXI, graças ao empenho actual do Ministério da Cultura e dos municípios mais conscientes dos seus valores patrimoniais, constatamos que têm sido registados actos de defesa do património urbanístico que se encontra em perigo, como acabamos de registar no Dondo onde espaços e edifícios públicos estão a ser recuperados. Esperamos pois a continuação da tarefa iniciada, com o restauro do sobrado com “a mais bela janela de sacada de Angola”, com a recuperação da dignidade do cemitério e a reconstrução do porto fluvial onde existiu um cais de alvenaria que pode servir de passeio para peões e zona de lazer. No nosso entender todo o cidadão tem o dever de apoiar as acções que visam não só preservar um pouco da história do país para as jovens gerações, como recuperar estruturas capazes de defender a dimensão humana dos agregados populacionais, melhorando a qualidade de vida dos seus habitantes e sustentando o desenvolvimento económico e social de cada região. Por tudo isso, importa não deixar morrer o Dondo.

12 de Junho de 2009 Aida Freudenthal

sexta-feira, julho 03, 2009

O Municipio do Dondo/ Aida Freudhental/ Novo Jornal / Luanda 3-07-09




Criado em 1856, procedeu ao ordenamento do aglomerado urbano, dotando-o de novas estruturas. As revoltas recorrentes na Quissama onde se acoitavam escravos fugidos das fazendas, explicam o reforço militar da vila e a construção de um forte, um quartel para duas companhias móveis, duas companhias de empacasseiros, um destacamento de caçadores e um paiol de pólvora entre 1856-68. Para responder ao crescente fluxo de mercadorias, foram abertas estradas em direcção a Pungo-a-Ndongo e Cassanje enquanto o Dondo ficou ligado a Luanda a partir de 1866 pela 1ª carreira regular de barcos a vapor da Companhia de Navegação a Vapor no Cuanza. [Boletim 0ficial de Angola, nº 39 e 52 de 1866]
O rápido crescimento económico da povoação fundamentava a petição apresentada pelos moradores em 1868: “Esta recente povoação... é actualmente uma das mais florescentes, comerciais e numerosas da provincia [cerca de 2000 almas, entre elas muitos europeus]... Estabelecimentos filiais das casas comerciais do Dondo guarnecem as margens do Quanza... comerciantes de outros concelhos vêm fornecer-se nas casas do Dondo... a existência da companhia de navegação a vapor, além de bom número de embarcações de cabotagem ... tornam esta povoação da maior importância e esperançosa de ser em poucos anos uma cidade”. [Petição dos habitantes do Dondo para elevação a vila. 25.5.1868. AHU-Lisboa]
Seria satisfeita esta expectativa dos moradores? No último quartel do século, o Dondo atingiu com efeito o maior volume de negócios com produtos como a cera, a borracha e o álcool, sendo então ponto de passagem obrigatória de funantes e aviados e de exploradores europeus que se dirigiam do litoral à distante Lunda. Contudo o súbito declínio na viragem do século seria o efeito da concorrência do caminho de ferro Luanda-Ambaca que atingiu o Lucala em 1899: a partir desse ano, as antigas rotas comerciais foram abandonadas; as mercadorias dos velhos caminhos do sertão sofreram fortes quebras, em especial a borracha, afectando os ganhos das casas comerciais e ditando o declínio da vila.
Consequentemente, o Dondo perderia parte da sua população no início do século XX, persistindo no entanto um comércio de âmbito regional, em particular de óleo de palma e coconote, reanimado pelo ramal de caminho de ferro que uniu Zenza ao Dondo. Com a ponte sobre o Kwanza, construída no início da década de 1960, o trânsito de mercadorias e passageiros por camionagem voltou a reanimar a vila, tornando-a um importante centro de comunicações entre o norte e o sul de Angola [Granado 1959]. Com a electricidade da barragem de Cambambe, foi iniciado um plano de industrialização na década de 60, que permitiu a instalação de fábricas de prensagem de algodão, de desfibra de sisal, de óleo de palma e serrações de madeira, de uma fábrica de cerveja e uma fábrica de tecidos estampados de algodão destinados ao mercado interno, que mobilizaram muita mão de obra e transformaram matéria-prima produzida internamente.

Alcora: O acordo secreto do colonialismo português com o apartheid


Artigo publicado na edição de Junho da revista África 21
A aliança de Marcelo Caetano com os racistas sul-africanos e rodesianos para impedir as independências de Angola e Moçambique.
No inicio de 1974, Portugal estava à beira de perder o controlo da guerra em Angola e Moçambique e preparava-se para transferir para a África do Sul a capacidade de dirigir e orientar o uso das forças militares para «erradicar o terrorismo da África Austral».

É o que se depreende da análise dos documentos oficiais recentemente descobertos e relativos a uma aliança secreta estabelecida em 1970 entre os Governos de Portugal, África do Sul e Rodésia. Aliança que ficou escondida de todos ou quase todos os que participaram na guerra, mas que projecta uma luz diferente – e assustadora – sobre os acontecimentos que antecederam a Revolução portuguesa de Abril de 1974, as independências de Moçambique e Angola, e sobre os conflitos que dilaceraram estes dois países até à queda do regime racista sul-africano.

Trinta e cinco anos depois do fim da guerra colonial e quando se julgava que tudo tinha sido dito sobre um conflito que marcou as memórias de toda uma geração, e dos filhos e netos dos que nele participaram, eis que a abertura dos arquivos veio revelar dados substanciais e totalmente desconhecidos que vêm iluminar os factos que todos conheciam.

Dois investigadores portugueses, os coronéis Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, já autores de uma história da guerra colonial, publicada há 12 anos, tiveram esta «surpresa» ao meter ombro à tarefa de rever os acontecimentos à luz dos arquivos entretanto abertos (Arquivos Histórico Militar e do Secretariado-Geral da Defesa Nacional).

As opções político-militares da ditadura portuguesa face ao eclodir da luta armada nas suas colónias africanas e as alianças estratégicas estabelecidas por Salazar e Marcelo Caetano foram e estão ainda embrulhadas em tamanho mistério, que têm dado azo às interpretações mais fantasiosas acerca da situação militar em Angola, Guiné e Moçambique em vésperas do golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, e a violentos ataques contra os «militares de Abril», acusados de terem entregue Angola e Moçambique aos «comunistas» quando a guerra estava «praticamente ganha».

Artigo publicado na edição de junho da revista África 21

É esta visão heróica do pequeno e pobre Portugal, «orgulhosamente só», que teria mudado a história de África e dos seus povos se não tivesse sido abandonado pelas grandes potências, que cobiçavam as riquezas do continente, e traído por um punhado de jovens oficiais cansados e manipulados, que os documentos agora tornados públicos e aos quais África 21 teve acesso, destrói irremediavelmente.

A realidade, ignorada então e ainda agora pela maioria dos portugueses, é bem diferente. Quando Marcelo Caetano sucede a Oliveira Salazar na chefia do Governo, em 1968, o esforço realizado desde 1961 para mobilizar e enviar para África dezenas de milhares de soldados está a tornar-se demasiado pesado, e os sectores mais lúcidos do regime já tinham compreendido que se não se acabava rapidamente com a guerra, seria o seu fim, e foi esta preocupação que norteou acção do Governo de Lisboa, sob a batuta de Andrade e Silva, ministro do Ultramar, e de Sá Viana Rebelo, ministro da Defesa, de 1968 a 1973.
Segundo Aniceto Afonso, a alegada indecisão de Marcelo Caetano em relação à questão colonial nunca existiu. A opção escolhida foi a militar.

Foi esta procura da vitória «a todo o custo» que levou Portugal a aceitar uma aliança com a África do Sul, única potência capaz de fornecer o apoio suficiente para inclinar a balança das armas a seu favor, e que oferecia ao mesmo tempo um «modelo» de saída política susceptível de conquistar apoios no chamado «mundo livre»: a necessidade de construir um bastião branco na África Austral para impedir o continente de cair na órbita do poder soviético, em plena fase de expansão.

Uma aliança secreta

A aproximação entre Lisboa e Pretória tinha começado antes, com o apoio de Salazar à independência auto-proclamada da Rodésia. Ian Smith, eleito primeiro-ministro em 1964, tinha-se reunido com Salazar em Lisboa antes de tomar a decisão de romper com o Reino Unido, e Portugal e a África do Sul, sem se atreverem a desafiar frontalmente a condenação e o embargo decretado pela ONU, actuaram concertadamente para impedir a asfixia económica do «Estado pária».

A partir de 1968, a força aérea sul-africana prestava apoio logístico e de transporte às tropas portuguesas em Angola (operação Bombaim) e participou em acções de combate no Leste: as operações Luambi e Nova Fase realizadas a partir do Cuito Canavale por comandos portugueses transportados e apoiados por helicópteros sul-africanos.

A transformação deste apoio táctico numa aliança formal começou a ser esboçada a 4 de Março de 1970, quando delegações militares portuguesas e sul-africanas de alto nível se reuniram em Pretória para analisar a situação em Angola e Moçambique.

O tenente-general C. A. Frazier, que chefiava a delegação sul-africana, fez um balanço pormenorizado das operações realizadas pela SAAF (Força Aérea Sul-africana) desde Junho de 1968 e do seu custo. A conclusão era que os escassos resultados de tamanho investimento impunham uma revisão geral das condições de cooperação, e Frazier propôs submeter aos respectivos Governos «um plano de defesa para a África Austral que estabeleça as normas de utilização das tropas disponíveis de forma coordenada e planeada, para fazer face a um inimigo comum». Foi dado a este plano o nome de código de «Exercício Alcora».

Marcelo Caetano e Balthazar Vorster tiveram a oportunidade de conversar sobre o assunto a 5 de Junho, durante a visita a Lisboa do primeiro-ministro sul-africano (em que se tratou também da construção da barragem de Cahora Bassa, adjudicada meses antes ao consórcio Zamco).

Os territórios do Alcora

O acordo de base do Exercício Alcora foi assinado a 14 de Outubro de 1970, pelo coronel Rocha Simões, director da Quinta Divisão da Secretaria Geral da Defesa Nacional de Portugal, e pelo brigadeiro Greyvenstein, chefe do Planeamento Estratégico do Ministério da Defesa da África do Sul. A Rodésia juntar-se-ia formalmente à Aliança na reunião seguinte de alto nível, a 30 de Março de 1971, em que se aprova o esboço do projecto estratégico de defesa militar dos «territórios Alcora», actualmente repartidos entre cinco estados: África do Sul, Angola, Moçambique, Namíbia e Zimbabwe.

As actas das reuniões «reencontradas» pelos investigadores portugueses (sete no total, à razão de duas por ano, alternadamente em Lisboa e Pretoria) dão conta da progressiva intensificação da cooperação entre os três regimes, que ultrapassa, claramente, o âmbito estritamente militar, e do cuidado de Lisboa em manter secreta esta aliança, de forma a preservar a sua «liberdade de acção política» em relação a Pretória e Salisbúria.

As razões desta «prudência» portuguesa são múltiplas. No plano internacional, Portugal não quer indispor a NATO (de que é membro fundador) aliando-se abertamente com dois regimes que os outros membros da Aliança Atlântica votaram ao ostracismo. Internamente, este repentino alinhamento com os regimes racistas de Pretória e Salisbúria poderia suscitar reacções hostis nos meios mais conservadores do regime, ao entrar em contradição flagrante com a doutrina do Estado Novo, de um Portugal uno, do Minho a Timor, pluricontinental e multirracial.

Dezenas de milhares de portugueses que tinham sido enviados para a guerra, para defender este Império universalista, e não racista, não iriam sentir-se ludibriados, reforçando as dúvidas que muitos jovens oficiais começavam a sentir acerca da justeza da causa que defendiam?

A necessidade de não desperdiçar o único auxílio susceptível de lhe garantir a vitória militar falou mais alto e, passo a passo, Portugal foi cedendo às pressões cada vez mais insistentes dos seus «parceiros» da África Austral, preocupados com a deterioração da situação militar, sobretudo em Moçambique, que atribuíam à fraca motivação das tropas «metropolitanas» portuguesas e à incompetência dos seus chefes.

Em Novembro de 1972, em Lisboa, é finalmente definido o conceito estratégico da aliança tripartida, que aponta como ameaças comuns «o comunismo e o nacionalismo africano, em que o segundo é o instrumento escolhido pelo primeiro para alcançar os seus objectivos mais profundos», e como meta «assegurar a inviolabilidade individual dos territórios Alcora pela eliminação da subversão».

Para o efeito deverão «organizar uma força estratégica constituída por meios aéreos de ataque e forças terrestres altamente móveis (...) que sirvam de dissuasor contra todo o ataque externo e que assegure uma intervenção oportuna e eficiente», e levar a cabo uma intensa campanha para «convencer as nações africanas e o mundo livre de que a sua própria sobrevivência está sendo ameaçada na África Austral».

África do Sul toma a liderança

Apesar da insistência de Pretória que vê «os governos africanos superar os seus diferendos e progredir nos seus esforços contra nós», o que faz prever um aumento dos apoios às «organizações terroristas», o acordo entre os ministros da Defesa de Portugal e da África do Sul para a criação de uma «Organização Permanente de Planeamento Alcora» (PAPO em inglês) só será assinado em Outubro de 1973, ainda a tempo de permitir que na sexta reunião de alto nível do Alcora que teve lugar em Salisbúria em Novembro se avançasse no sentido de um Exército comum, com a criação de um Quartel-General, sedeado em Pretória, em instalações próprias, sob o comando do major-general sul-africano Clifton, primeiro director-geral da PAPO.

Este QG devia entrar em funções em Janeiro de 1974, mas a Rodésia e sobretudo Portugal não procederam atempadamente à nomeação dos seus representantes para todos os cargos que lhes eram destinados, o que provocou um ligeiro atraso.

A África do Sul assume claramente a iniciativa e a maior parte dos encargos com a aliança. Prontifica-se para mobilizar «até cem mil homens, brancos» para a constituição de brigadas mistas, altamente móveis, prontas para intervir em qualquer ponto de Angola e Moçambique, não requerendo de Portugal mais do que um contributo diminuto, e o empenho de algumas companhias de comandos e pára-quedistas.

A 8 de Março de 1974, o Ministério português das Finanças assina com a South África Reserve Bank um acordo que outorga a Portugal um empréstimo de 150 milhões de rands (seis milhões de contos portugueses segundo o câmbio da época) para a compra de material de guerra, em prestações mensais de cinco milhões de rands. A primeira fatia foi imediatamente disponibilizada.

A última reunião

A máquina estava lançada e parecia imparável, pelo que já não seria necessário (nem possível) mantê-la oculta. A decisão de a tornar pública chegou a ser agendada para a sétima reunião Alcora, marcada para 24 de Junho de 1974, em Lisboa.

Nunca se saberá qual teria sido a reacção da comunidade internacional, e dos militares portugueses, ao serem colocados perante o facto consumado, porque a 25 de Abril, um punhado de jovens capitães resolveu derrubar a mais velha ditadura da Europa e mudar radicalmente o rumo da história de Portugal e da África Austral.

Alcora, porém, não acabou neste dia e a sétima reunião ainda se realizou, à data prevista, não em Lisboa, mas em Pretória. O general Armstrong, chefe do Estado-Maior da Defesa da RAS chegou mesmo a afirmar que o encontro era «crucial quanto à principal tarefa para Alcora, que consiste na eliminação do terrorismo na África Austral».

A delegação portuguesa, chefiada pelo general Basto Machado, ex-comandante em chefe em Moçambique, respondeu como pôde às perguntas dos parceiros que queriam saber o que iria acontecer em Angola e Moçambique, e se «havia vantagem na continuação de Alcora na sua forma actual».

Disse que o novo Governo de Lisboa não estava de acordo com «alguns partidos» que, em Portugal, estavam a favor da independência imediata das províncias ultramarinas e que o seu «primeiro objectivo era obter um cessar-fogo como pré-requisito para a abertura de negociações» com os movimentos nacionalistas. Contudo, nas actuais circunstâncias considerava conveniente manter o segredo e suspender «quaisquer acções conjuntas», nomeadamente em Moçambique.

Haveria ainda, em Maio de 1975, uma reunião em Lisboa entre representantes militares sul-africanos com o Estado-Maior português, para resolver definitivamente a questão da devolução de grandes quantidades de materiais e equipamentos que tinham sido «emprestados» a Portugal no âmbito do extinto «Exercício Alcora», processo que só ficaria concluído em 1976.

Já sabemos o que aconteceu depois. Obrigado a reconhecer o direito à autodeterminação das colónias portuguesas, Spínola seria pouco depois substituído por Costa Gomes na Presidência de Portugal e iniciou-se o processo negocial que levaria a Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola à independência. Alcora foi atirado para as gavetas da História, onde permaneceu até ao presente, sem que nenhum dos seus arquitectos tivesse quebrado o pacto de silêncio, o que não deixa de ser um caso singular, dado o elevado número de pessoas que estiveram envolvidas num processo que durou meia dúzia de anos.

Ainda há muito para investigar sobre os contornos desta aliança, os seus actores e cúmplices, e as suas sequelas. Mas uma coisa é certa: os dados coligidos e tornados públicos por Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes projectam uma nova luz sobre muitos acontecimentos posteriores, tais como a invasão de Angola pelas forças sul-africanas em 1975, o papel da África do Sul nas guerras civis angolana e moçambicana, e as tentativas de desestabilização dos países da «Linha da Frente».

Perdem todo o sentido as acaloradas polémicas sobre a mal fadada «descolonização» portuguesa como causa principal dos conflitos que dilaceraram a África Austral até à queda do regime racista sul-africano, em 1991. Pretória já estava em guerra contra os nacionalistas africanos, em Angola e Moçambique, muito antes do primeiro soldado cubano ter pisado o solo angolano.

sexta-feira, junho 26, 2009

O LIVRO DO LICEU ESTÁ AÍ

Deixar Morrer o Dondo ((I) / Aida Freudenthal/ Novo Jornal/ Luanda



Numa breve visita feita recentemente ao Dondo, senti aquela emoção de rever um amigo ou de saborear de novo uma manga madura... A história da vila impõe-se a cada rua, a cada esquina, a cada árvore frondosa que nos protege do ardor do sol, enquanto o Kwanza nos abre o horizonte para a vizinha Kissama e nos sugere melancólicas viagens em direcção ao sol poente. Apesar das temperaturas sufocantes, o ambiente é mágico e convida a percorrer repetidamente as mesmas ruas e largos onde os homens permanecem na sua luta diária como o fizeram os seus antepassados. À semelhança das gerações anteriores, lutam em condições bem difíceis pelo seu sustento, encaminham os seus filhos à escola e repousam precocemente no cemitério da vila. Apesar de características climáticas hostis - dizem alguns que serão as piores em todo o país - a que se deve a permanência deste aglomerado urbano?
Voltando atrás no tempo, surpreende-nos o rápido crescimento da vila no séc. XIX. À medida que as práticas africanas de permuta a curta e a longa distância iam integrando novas técnicas comerciais, a importância do Dondo aumentou, tornando-o então o maior empório comercial do interior. A sua história esteve intimamente ligada ao facto de ali confluírem várias rotas comerciais desde tempos muito recuados, sendo o Kwanza a via complementar por onde grandes pirogas escoavam os géneros para Luanda. Tinha então o porto e a quitanda a função aglutinadora de gentes e de mercadorias tão diversas como o sal da Quissama, peixe seco, óleo de palma e outros víveres, algodão, artefactos de cobre e ferro, tacula, panos, marfim e cera. Também os escravos eram conduzidos à feira do Dondo, trazidos de regiões cada vez mais distantes no interior do continente e daí prosseguiam o caminho até ao litoral. Com o desenvolvimento do comércio “lícito” a partir dos meados do séc. XIX, continuaram a afluir regularmente à vila as comitivas de Ambaquenses, Bangalas e Songos, transportando produtos vários como o café produzido no Cazengo e no Golungo, durante o primeiro surto cafeícola registado em Angola entre 1845 e 1875. Na Quitanda circulavam ao longo do dia numerosos compradores que buscavam as os produtos vendidos pelas “mulheres de negócio”: peixe seco, fuba de mandioca, feijão, sal, e também panos de algodão, chitas, missangas, rendas e bordados.
Ano após ano, aumentou a população urbana ao mesmo tempo que se foi constituindo um núcleo de famílias relativamente abastadas com parentes e sócios em Luanda com os quais mantinham relações comerciais. É o seu quotidiano que Assis Jr. tão sentidamente descreve em “ O Segredo da Morta”.

terça-feira, junho 16, 2009

Texto de Diana Andringa do seu blog Caminhos da Memória!

Fugir para lutar
Diana Andringa






Abril de 1961. A guerra em Angola começara há pouco mais de um mês. As vitrinas do Palácio Foz, então sede do Secretariado Nacional de Informação ostentam ainda as terríveis fotografias dos massacres levados a cabo pela UPA (União dos Povos de Angola), no levantamento armado de 15 de Março – que o primeiro presidente do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), Mário Pinto de Andrade, viria a classificar de “jacquerie”. A Censura impedira os portugueses de conhecer outros massacres anteriormente ocorridos: milhares de mortos de população civil angolana, na repressão da revolta dos plantadores de algodão da Baixa do Cassange, centenas de mortos nos ataques aos muceques de Luanda e na repressão em Icolo e Bengo, na sequência do assalto pelos nacionalistas às prisões e quartéis da capital angolana, ocorrido a 4 de Fevereiro.

Os estudantes africanos em Portugal temem que também sobre eles se abata a repressão. Muitos deles – “nacionalistas progressistas” da Casa de Estudantes do Império, na classificação do inspector Sachetti [1], baptistas e metodistas dos lares de Lumiar de Carcavelos – tinham acorrido ao aeroporto de Lisboa em Dezembro de 1960, protestando contra a deportação do médico Agostinho Neto para Cabo Verde, sendo por isso identificados e retidos para interrogatório pela PIDE. Por outro lado, a guerra que alastra em Angola dá-lhes uma oportunidade de se juntarem às forças que combatem o colonialismo português.

Com um número muito reduzido de militantes em Conacry – Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, Lúcio Lara, Eduardo dos Santos e Hugo de Meneses – e um pequeno núcleo no então Congo-Brazaville, o MPLA apela aos jovens nacionalistas para que abandonem Portugal e reforcem as estruturas do Movimento no exterior.

O MEA, Movimento de Estudantes Angolanos, constituído sobretudo por frequentadores da Casa de Estudantes do Império, decide então enviar dois representantes a França, onde mais facilmente poderiam tentar contactar a Direcção do MPLA. Edmundo Rocha e Graça Tavares são os escolhidos. A resposta do Movimento, de que não tem possibilidade de os apoiar na saída, leva-os a procurar novos caminhos. Na Bélgica e na Alemanha, vão juntar-se a outros estudantes das colónias portuguesas – José Carlos Horta, de Moçambique, José Fret Lao Shong e Manuel Pinto da Costa, de S. Tomé, Alberto Passos, Arlindo Barbeitos, Carlos Rocha, Desidério Costa, Luís de Almeida, Luísa Gaspar e Ruth Neto, de Angola. E parte de Desidério Costa e Luísa Gaspar a sugestão de um contacto com o bispo metodista de Frankfurt, que talvez os possa ajudar. Este põe os jovens nacionalistas em contacto com outro bispo, Black, da Assembleia Mundial das Igrejas Protestantes, em Genebra. Conhecedor da realidade angolana através de um outro bispo protestante, Ralph Dodge, que vivera muitos anos em Angola, Black apoia as reivindicações dos nacionalistas. (Rocha, 2002:219). Ao responder ao incitamento do MPLA, é das igrejas protestantes, nomeadamente norte-americanas, que os jovens delegados do MEA vão receber auxílio.

Finais de Maio. João Vieira Lopes, finalista de Medicina e Gentil Viana, estudante de Direito, recebem a visita do pastor protestante francês Jacques Beaumont [2]. Beaumont pertence à CIMADE, uma organização ecuménica ligada aos movimentos protestantes de juventude, criada em 1939 para apoiar os refugiados reagrupados nos campos do sul da França, que participara activamente na resistência contra o nazismo e o resgate de Judeus, durante a Segunda Guerra Mundial e se envolvera depois na luta pela independência e o desenvolvimento das colónias, nomeadamente da Argélia.

Acompanhado de outros activistas protestantes, como Charles Harper e Bill Nottingham, Jacques Beaumont vem ajudar a organizar a fuga dos nacionalistas africanos. Anos mais tarde – em 1990 – Bento Ribeiro (Cabulo) [3] recorda alguns descuidos nos contactos havidos:

«Fizemos bastantes erros… O secretário-geral da CIMADE encontrou-se várias vezes connosco no Mandarim… A Pide estava bem informada das nossas movimentações. A maior parte dos angolanos de Coimbra vivia na Rua Antero de Quental, – era onde eu ficava quando ia a Coimbra. A PIDE ficava na mesma rua… Éramos vizinhos do inspector Sachetti, que nos cumprimentava muito afavelmente, mas nos interrogatórios posteriores à nossa saída demonstrou que sabia dos encontros com o secretário-geral da CIMADE.»

Com mais ou menos erros, a fuga dos jovens nacionalistas começa, integrando não só angolanos mas também nacionalistas de outras colónias africanas, como Joaquim Chissano, moçambicano, e Pedro Pires, cabo-verdiano [4]:

«O Iko Carreira é que foi o meu elemento de ligação com o grupo. A organização era de protestantes – houve um elemento de ligação americano protestante preso connosco em San Sebastian . Houve um primeiro grupo que saiu, que passou normalmente a fronteira espanhola-francesa e estava-se a preparar um segundo grupo, convidaram-me para fazer parte e eu aceitei imediatamente. Eu estava na tropa.»

Como Pedro Pires, muitos outros estavam em idade militar e só tinham duas opções: ou ficar e ir combater contra os seus ou sair e juntar-se aos que lutavam no exterior. Optaram, naturalmente, pela segunda.

Estruturaram-se em grupos de 3 a 5 pessoas, em Lisboa, Coimbra, Porto. O local escolhido para a passagem da fronteira foi o Norte de Portugal:

«Um camarada nosso, estudante de Medicina, tinha um amigo que era casado com uma senhora do Norte de Portugal que tinha família na Galiza. Esta senhora pôs-nos em contacto com um familiar, que nos disse que, através de contrabandistas, podia pôr-nos fora de Portugal. Ele era anti-franquista, tinha família dos dois lados da fronteira, tinha os contactos todos feitos. Era preciso pagar – e havia depois a Espanha franquista.» [5]

Era nesta segunda fase que a CIMADE se revelava ainda mais importante, garantindo uma travessia tranquila rumo a França. Embora nem todos os fugitivos fossem protestantes, não contactaram qualquer estrutura ligada à Igreja católica, por esta ser considerada demasiado próxima do regime. Segundo as informações que recolhemos, tampouco o PCP terá sido contactado.

Entretanto, alguns saem legalmente, como Amélia Araújo [6], que pretexta uma ida ao Santuário de Lourdes com a filha de poucos meses a fim de agradecer à Virgem a cura de uma doença da menina, ou Manuel Videira [7], que se justifica com a lua de mel antes do cumprimento do serviço militar. Rui de Sá (Dibala) [8], consegue visto à conta do desporto: jogador de volley no Benfica, acompanha a sua equipa a um torneio em Asnières, França, e arranja ainda maneira de assistir à participação do clube, com Eusébio, no torneio anual do Paris Saint- Germain. Ou ainda como Gim Monteiro [9], que integra a digressão de um episódico Trio Ouro Negro…

Os que saem clandestinamente partem de Lisboa e de Coimbra para o Porto e daí para o rio Minho, que deverão atravessar em botes de contrabandistas.

À frente do grupo de Lisboa estão, segundo João Vieira Lopes, membros das células clandestinas do MPLA, que dá como existindo em Portugal desde 1960. Dos cabecilhas, só um, Pedro Filipe, não seria do MPLA, mas sim militante da UPA/FNLA: «Na altura não fazia diferença.» Ainda segundo Vieira Lopes, «saíram de Lisboa para o Porto, em carros e comboios, mais de 80 pessoas, incluindo crianças de 2 a 5 anos e mulheres grávidas, uma delas de 8 meses».

Pelo meio há episódios curiosos, como relata um dos elementos da CIMADE, Charles Harper:

«Um desvio não planificado leva-nos directamente para uma festa do S. João, em pleno centro de Santo Tirso. Os habitantes parecem surpreendidos perante tantas caras negras. Felizmente, é a época do delírio em torno do rei Pélé. Recebem-nos bem e abrem caminho para passarmos.»

É um facto que, nessa época, os negros que a população conhece são, sobretudo, os grandes nomes do futebol. Os fugitivos são tratados, portanto, com toda a simpatia. Foi aliás um jogador de futebol da Académica, Daniel Chipenda, que convidou Jorge Valentim a integrar a fuga. No seu livro «Esperança», Valentim conta que, no dia combinado, deixou a casa como normalmente, acompanhado por Mateus da Silva, encontrando-se depois ambos num café com um cidadão americano, que falava português e guiava um carro Mercedes Benz. Na fronteira do Minho juntaram-se a outros colegas, formando um grupo de 19 pessoas. A saída para Espanha decorreu sem problemas, bem como a travessia do país e a passagem para França: embora os passaportes que lhes tinham dado tivessem fotos que não coincidiam, e lhes atribuíssem uma língua que desconheciam, passaram sem incidentes para território francês, onde os esperava a gente da CIMADE.

As coisas não correriam tão bem com o segundo grupo, de cerca de cem pessoas:

«Saímos em 3 vagas. A primeira chegou a Espanha, passou pela Espanha e seguiu directamente para França e dali para a Suíça. A segunda vaga parou em Espanha à espera da terceira, para depois seguirem juntas para França. Eu fiz parte dessa segunda vaga, estive 20 dias fechado à espera dos outros, nem podíamos assomar à janela. Depois fomos atravessar a fronteira, os espanhóis não acreditaram nos salvo-condutos senegaleses. A nossa história era que éramos estudantes senegaleses em França, tínhamos atravessado a fronteira em Barcelona, não tinham posto carimbo… os espanhóis não acreditaram, levaram-nos para a Cadeia Distrital.» [10]

«Saímos de Lisboa, fomos ao Porto, e a altas horas da noite partimos para a fronteira, para o Rio Douro. Esperámos muito tempo, não apareceu o passador, tivemos que regressar ao Porto e repetir a operação no dia seguinte. Nessa noite conseguimos passar, num bote de contrabandistas. Estivemos escondidos numa pequena mata, depois transportaram-nos para San Sebastian. É aí que as coisas se complicam. Devíamos passar com um documento senegalês, mas a polícia já devia estar avisada… Fomos interrogados, levados para uma prisão.» [11]

Aparentemente, surgira um imprevisto: o guarda fronteiriço espanhol cuja desatenção fora garantida pela CIMADE adoecera e fora substituído por um colega mais atento, que recusou os argumentos esgrimidos pelos fugitivos. Estes correm o risco de ser devolvidos a Portugal pelas autoridades franquistas: o governo português terá mesmo feito deslocar um avião a Madrid, para garantir o regresso.

O grupo passa assim 48 horas na prisão de San Sebastian. Com eles, os pastores protestantes que os acompanhavam. Mas estes têm contactos que conseguem pôr em acção: há quem fale do Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Couve de Murville, quem refira a administração Kennedy, até mesmo a CIA [12]. Certo é que os prisioneiros são libertados e conduzidos em carros da própria Guardia Civil até à fronteira Irun-Hendaye.

Do lado francês, a CIMADE recebe-os com um enorme jantar e garante-lhes hospitalidade. Mas rapidamente essa hospitalidade lhes vai parecer pesada.

O problema, explica Manuel Videira [13] – que, embora tendo saído legalmente, recebera também apoio da CIMADE – era que continuavam semi-prisioneiros, porque não lhes davam documentos. A razão invocada era o risco, previsível para alguns, de serem tomados por argelinos, numa altura em que estes eram violentamente perseguidos.

Mesmo as visitas não eram fáceis: na CIMADE, diz Videira, para lá de Savimbi, apenas os visitou – até porque lá se encontravam, entre outros, Joaquim Chissano, Pascoal Mocumbi e Joana Simeão – Eduardo Mondlane, que trabalhava na ONU e tinha passaporte diplomático. Já os encontros com Mário Pinto de Andrade – que usaria então passaporte egípcio – Viriato da Cruz e Lúcio Lara eram feitos clandestinamente, num café perto da CIMADE, frequentado precisamente por argelinos. E com o MPLA a exortar todos os que quisessem juntar-se à luta a seguir para Leopoldville, é aí que Mário Pinto de Andrade lhes dá indicações para prepararem uma outra fuga, desta vez da CIMADE.

Segundo Manuel Videira, é a embaixada da Guiné Conacry que arranja passaportes e uma organização clandestina de argelinos em França que organiza a fuga em massa, financeiramente apoiada pelo Gana. Fogem de autocarro, pretextando-se uma orquestra – para o que terão comprado, aliás, diversos instrumentos. Dirigem-se para a fronteira alemã, numa zona pouco vigiada, perto da Bélgica. Com a ajuda de argelinos, atravessam a fronteira e entram na Alemanha. Daí partirão poucos dias depois, de avião, com destino a Accra, no Gana.

Segundo recorda Fernando Chaves [14], voaram primeiro para Amsterdão e depois, pela KLM, para o Gana, com passagem por Las Palmas e Monróvia. Em Acra, foram recebidos pelo Africain Affairs Center e alojados num hotel perto do aeroporto – curiosamente chamado Lisbon Hotel. Mais tarde foram encaminhados para Aximota, um centro universitário, onde ficaram até serem transferidos para Núngua, uma pequena aldeia perto de Tema, a segunda cidade portuária do Gana, onde, refere Chaves, receberam a visita do adido cultural brasileiro, que os convidou a visitar uma fragata brasileira que ali passava e a ir para o Brasil. Foram também visitados por Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz e Miguel Trovoada.

A maioria dos protestantes do grupo dirigira-se entretanto para a Suíça, onde se encontrava já Jonas Savimbi. Outros, como Cabulo, Filipe Amado, Fernando Octávio, Wilson e Ilda Carreira (Baiana), querendo continuar os estudos, tinham optado pela Alemanha [15]. Agora, a proposta feita aos fugitivos é que os estudantes prossigam os seus estudos no Bloco de Leste – URSS e Checoslováquia, sobretudo, mas também na RDA – ou na Suíça e na Holanda.

Quanto aos médicos, deverão dirigir-se para Leopoldville, para ali dar assistência aos refugiados que abandonaram Angola na sequência da perseguição aos “assimilados”, que se seguiu ao 15 de Março. Entre os que chegaram ao Gana há vários médicos – Vieira Lopes, Manuel Videira, Mário Assis, Carlos Pestana “Katiana”, Manuel Boal – e a sua presença vai permitir a “operação batas brancas”, ou seja, a instalação em Leopoldville de um organismo estreitamente ligado ao MPLA, o Corpo Voluntário Angolano para Assistência aos Refugiados, CVAAR, que conta também com os médicos do grupo dos “mais velhos” anteriormente sediados em Conacry: Américo Boavida, Eduardo dos Santos, Hugo Meneses. «É a primeira ONG angolana», ironiza Manuel Videira. Criam postos de assistência aos refugiados na fronteira e recolhem fundos e medicamentos, garantindo apoios da Suécia, da Holanda, um pouco de França, mais tarde da URSS.

Outros, como Rui de Sá (Dibala), irão receber treino militar, para seguir para a frente de combate.

Hoje, os elementos da grande fuga de 1961 estão espalhados pelos seus países de origem e em outras partes do Mundo. Alguns ocuparam ou ocupam o mais alto cargo dos seus países, como Joaquim Chissano, em Moçambique e Pedro Pires, em Cabo Verde. Alguns foram ministros, outros embaixadores, generais, deputados, altos funcionários. Em alguns, a forma como a independência do seu país evoluiu deixa uma mágoa: «Não foi isto que nós combinámos!»

Mas aquilo que tinham em mente ao fugirem de Portugal nesse Junho de há 48 anos, isso foi conseguido: o colonialismo português foi derrotado e são agora cidadãos de países independentes – mesmo se a luta pela concretização do sonho de jovens, essa, tem de continuar.


Notas:

[1] AN/TT – PIDE-DGS, Proc. CEI 4529/62, Docs. 132 a 136, abud Rocha, Edmundo, Angola – Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano, Kilombelombe, Luanda, 2002, 1º vol., pág. 222.

[2] Rocha, Edmundo, Angola – Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano, Kilombelombe, Luanda, 2002, 1º vol., pág. 219.

[3] Bento Ribeiro (Cabulo), declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”.

[4] Pedro Pires, declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”.

[5] Bento Ribeiro (Cabulo), declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”.

[6] Declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”

[7] Declarações recolhidas em Julho de 2006, para a preparação de um documentário sobre a fuga de Portugal dos estudantes nacionalistas das colónias.

[8] Id.

[9] Ibid.

[10] José Araújo, declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”.

[11] Pedro Pires, declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”.

[12] Rocha, Edmundo, Angola – Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano, Kilombelombe, Luanda, 2002, 1º vol., pág. 221.

[13] Declarações recolhidas em Julho de 2006, no âmbito da preparação de um documentário sobre a fuga de Portugal dos estudantes nacionalistas das colónias.

[14] Declarações recolhidas em Julho de 2006, no âmbito da preparação de um documentário sobre a fuga de Portugal dos estudantes nacionalistas das colónias.

[15] Declarações de Luísa Gaspar, recolhidas em Julho de 2006, no âmbito da preparação de um documentário sobre a fuga de Portugal dos estudantes nacionalistas das colónias.

sábado, junho 06, 2009

Brecht

"Dificuldade de governar"

1

Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.

2

E também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

3

Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.

4

Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?

Bertold Brecht

sexta-feira, junho 05, 2009

Bem caçada!

ADEUS GENERAL MOTORS






ADEUS GENERAL MOTORS


*Por Michael Moore, traduzido no Brasil

Escrevo na manhã que marca o fim da toda-poderosa General Motors. Quando
chegar a noite, o Presidente dos Estados Unidos terá oficializado o ato: a
General Motors, como conhecemos, terá chegado ao fim.

Estou sentado aqui na cidade natal da GM, em Flint, Michigan, rodeado por
amigos e familiares cheios de ansiedade a respeito do futuro da GM e da
cidade. 40% das casas e estabelecimentos comerciais estão abandonados por
aqui. Imagine o que seria se você vivesse em uma cidade onde uma a cada duas
casas estão vazias. Como você se sentiria?

É com triste ironia que a empresa que inventou a “obsolescência programada”
– a decisão de construir carros que se destroem em poucos anos, assim o
consumidor tem que comprar outro – tenha se tornado ela mesma obsoleta. Ela
se recusou a construir os carros que o público queria, com baixo consumo de
combustível, confortáveis e seguros. Ah, e que não caíssem aos pedaços
depois de dois anos. A GM lutou aguerridamente contra todas as formas de
regulação ambiental e de segurança. Seus executivos arrogantemente ignoraram
os “inferiores” carros japoneses e alemães, carros que poderiam se tornar um
padrão para os compradores de automóveis. A GM ainda lutou contra o trabalho
sindicalizado, demitindo milhares de empregados apenas para “melhorar” sua
produtividade a curto prazo.

No começo da década de 80, quando a GM estava obtendo lucros recordes,
milhares de postos de trabalho foram movidos para o México e outros países,
destruindo as vidas de dezenas de milhares de trabalhadores americanos. A
estupidez dessa política foi que, ao eliminar a renda de tantas famílias
americanas, eles eliminaram também uma parte dos compradores de carros. A
História irá registrar esse momento da mesma maneira que registrou a Linha
Maginot francesa, ou o envenenamento do sistema de abastecimento de água dos
antigos romanos, que colocaram chumbo em seus aquedutos.

Pois estamos aqui no leito de morte da General Motors. O corpo ainda não
está frio e eu (ouso dizer) estou adorando. Não se trata do prazer da
vingança contra uma corporação que destruiu a minha cidade natal, trazendo
miséria, desestruturação familiar, debilitação física e mental, alcoolismo e
dependência por drogas para as pessoas que cresceram junto comigo. Também
não sinto prazer sabendo que mais de 21 mil trabalhadores da GM serão
informados que eles também perderam o emprego.

Mas você, eu e o resto dos EUA somos donos de uma montadora de carros! Eu
sei, eu sei – quem no planeta Terra quer ser dono de uma empresa de carros?
Quem entre nós quer ver 50 bilhões de dólares de impostos jogados no ralo
para tentar salvar a GM? Vamos ser claros a respeito disso: a única forma de
salvar a GM é matar a GM. Salvar a preciosa infra-estrutura industrial, no
entanto, é outra conversa e deve ser prioridade máxima.

Se permitirmos o fechamento das fábricas, perceberemos que elas poderiam ter
sido responsáveis pela construção dos sistemas de energia alternativos que
hoje tanto precisamos. E quando nos dermos conta que a melhor forma de nos
transportarmos é sobre bondes, trens-bala e ônibus limpos, como faremos para
reconstruir essa infra-estrutura se deixamos morrer toda a nossa capacidade
industrial e a mão-de-obra especializada?

Já que a GM será “reorganizada” pelo governo federal e pela corte de
falências, aqui vai uma sugestão ao Presidente Obama, para o bem dos
trabalhadores, da GM, das comunidades e da nação. 20 anos atrás eu fiz o
filme “Roger & Eu”, onde tentava alertar as pessoas sobre o futuro da GM. Se
as estruturas de poder e os comentaristas políticos tivessem ouvido, talvez
boa parte do que está acontecendo agora pudesse ter sido evitada. Baseado
nesse histórico, solicito que a seguinte ideia seja considerada:

1. Assim como o Presidente Roosevelt fez depois do ataque a Pearl Harbor, o
Presidente (Obama) deve dizer à nação que estamos em guerra e que devemos
imediatamente converter nossas fábricas de carros em indústrias de
transporte coletivo e veículos que usem energia alternativa. Em 1942, depois
de alguns meses, a GM interrompeu sua produção de automóveis e adaptou suas
linhas de montagem para construir aviões, tanques e metralhadoras. Esta
conversão não levou muito tempo. Todos apoiaram. E os nazistas foram
derrotados.

Estamos agora em um tipo diferente de guerra – uma guerra que nós travamos
contra o ecossistema, conduzida pelos nossos líderes corporativos. Essa
guerra tem duas frentes. Uma está em Detroit. Os produtos das fábricas da
GM, Ford e Chrysler constituem hoje verdadeiras armas de destruição em
massa, responsáveis pelas mudanças climáticas e pelo derretimento da calota
polar.

As coisas que chamamos de “carros” podem ser divertidas de dirigir, mas se
assemelham a adagas espetadas no coração da Mãe Natureza. Continuar a
construir essas “coisas” irá levar à ruína a nossa espécie e boa parte do
planeta.

A outra frente desta guerra está sendo bancada pela indústria do petróleo
contra você e eu. Eles estão comprometidos a extrair todo o petróleo
localizado debaixo da terra. Eles sabem que estão “chupando até o caroço”. E
como os madeireiros que ficaram milionários no começo do século 20, eles não
estão nem aí para as futuras gerações.

Os barões do petróleo não estão contando ao público o que sabem ser verdade:
que temos apenas mais algumas décadas de petróleo no planeta. À medida que
esse dia se aproxima, é bom estar preparado para o surgimento de pessoas
dispostas a matar e serem mortas por um litro de gasolina.

Agora que o Presidente Obama tem o controle da GM, deve imediatamente
converter suas fábricas para novos e necessários usos.

2. Não coloque mais US$30 bilhões nos cofres da GM para que ela continue a
fabricar carros. Em vez disso, use este dinheiro para manter a força de
trabalho empregada, assim eles poderão começar a construir os meios de
transporte do século XXI.

3. Anuncie que teremos trens-bala cruzando o país em cinco anos. O Japão
está celebrando o 45o aniversário do seu primeiro trem bala este ano. Agora
eles já têm dezenas. A velocidade média: 265km/h. Média de atrasos nos
trens: 30 segundos. Eles já têm esses trens há quase 5 décadas e nós não
temos sequer um! O fato de já existir tecnologia capaz de nos transportar de
Nova Iorque até Los Angeles em 17 horas de trem e que esta tecnologia não
tenha sido usada é algo criminoso. Vamos contratar os desempregados para
construir linhas de trem por todo o país. De Chicago até Detroit em menos de
2 horas. De Miami a Washington em menos de 7 horas. Denver a Dallas em 5h30.
Isso pode ser feito agora.

4. Comece um programa para instalar linhas de bondes (veículos leves sobre
trilhos) em todas as nossas cidades de tamanho médio. Construa esses trens
nas fábricas da GM. E contrate mão-de-obra local para instalar e manter esse
sistema funcionando.

5. Para as pessoas nas áreas rurais não servidas pelas linhas de bonde, faça
com que as fábricas da GM construam ônibus energeticamente eficientes e
limpos.

6. Por enquanto, algumas destas fábricas podem produzir carros híbridos ou
elétricos (e suas baterias). Levará algum tempo para que as pessoas se
acostumem às novas formas de se transportar, então se ainda teremos
automóveis, que eles sejam melhores do que os atuais. Podemos começar a
construir tudo isso nos próximos meses (não acredite em quem lhe disser que
a adaptação das fábricas levará alguns anos – isso não é verdade)

7. Transforme algumas das fábricas abandonadas da GM em espaços para moinhos
de vento, painéis solares e outras formas de energia alternativa. Precisamos
de milhares de painéis solares imediatamente. E temos mão-de-obra capacitada
a construí-los.

8. Dê incentivos fiscais àqueles que usem carros híbridos, ônibus ou trens.
Também incentive os que convertem suas casas para usar energia alternativa.

9. Para ajudar a financiar este projeto, coloque US$ 2,00 de imposto em cada
galão de gasolina. Isso irá fazer com que mais e mais pessoas convertam seus
carros para modelos mais econômicos ou passem a usar as novas linhas de
bondes que os antigos fabricantes de automóveis irão construir.

Bom, esse é um começo. Mas por favor, não salve a General Motors, já que uma
versão reduzida da companhia não fará nada a não ser construir mais Chevys
ou Cadillacs. Isso não é uma solução de longo prazo.

Cem anos atrás, os fundadores da General Motors convenceram o mundo a
desistir dos cavalos e carroças por uma nova forma de locomoção. Agora é
hora de dizermos adeus ao motor a combustão. Parece que ele nos serviu bem
durante algum tempo. Nós aproveitamos restaurantes drive-thru. Nós fizemos
sexo no banco da frente – e no de trás também. Nós assistimos filmes em
cinemas drive-in, fomos à corridas de Nascar ao redor do país e vimos o
Oceano Pacífico pela primeira vez através da janela de um carro na Highway
1. E agora isso chegou ao fim. É um novo dia e um novo século. O Presidente
– e os sindicatos dos trabalhadores da indústria automobilística – devem
aproveitar esse momento para fazer uma bela limonada com este limão amargo e
triste.

Ontem, a último sobrevivente do Titanic morreu. Ela escapou da morte certa
naquela noite e viveu por mais 97 anos.

Nós podemos sobreviver ao nosso Titanic em todas as “Flint – Michigans”
deste país. 60% da General Motors é nossa. E eu acho que nós podemos fazer
um trabalho melhor.